ANTES DAS AULAS
NO DIA SEGUINTE, deixei um recado com alguém na sede dos alquimistas, dizendo que
precisava que “o sr. e a sra. Melrose” mandassem um recado para que Jill não precisasse
fazer educação física — ou, pelo menos, as atividades ao ar livre. Eu esperava que
eles fossem fazer isso rápido. Os alquimistas eram rápidos quando queriam, mas
às vezes tinham ideias estranhas a respeito do que era prioridade. Eu esperava
que eles não tivessem a mesma atitude de Keith em relação às dificuldades de
Jill.
Mas eu sabia que
nada iria acontecer naquele mesmo dia, por isso Jill teve que sofrer em mais
uma aula de educação física — e eu tive que sofrer assistindo ao seu
sofrimento. O mais terrível foi que Jill não choramingou nem tentou escapar de
nada. Ela nem demonstrou qualquer sinal do episódio da noite anterior. Chegou
com otimismo e determinação, como se talvez naquele dia o sol não fosse
afetá-la. Mas não demorou muito para ela começar a ficar mole. Ela parecia
enjoada e cansada, e o meu próprio desempenho foi um pouco falho porque ficava
sempre de olho nela, com medo que desmaiasse.
Micah foi a
salvação. Mais uma vez, ele trocou de time, destemido — desta vez, desde o
começo da aula. Ele cobriu a posição dela como tinha feito da outra vez, permitindo
que nem a professora nem os colegas reparassem nela — bom, tirando Laurel, que
pareceu notar e ficar irritada com tudo que ele fez. Os olhos dela passavam bravos
dele para Jill, e ela ficava jogando o cabelo por cima do ombro para chamar a atenção
dele. Eu me diverti um pouco ao ver que a atenção de Micah permaneceu unicamente
em manter a bola longe de Jill.
Micah também foi
imediatamente para o lado dela quando a aula terminou, levando uma garrafa
d’água, que ela aceitou com gratidão. Eu também fiquei agradecida, mas ver como
ele cuidava dela trouxe todas as minhas preocupações de volta. Ela cumpriu sua
palavra, no entanto. Retribuiu a atenção dele com simpatia, mas definitivamente
não dava para chamar aquilo de paquera. Mas ele não fez segredo de suas
intenções, e eu fiquei preocupada, achando que seria melhor se ela não
precisasse lidar com aquilo. Eu falei sério quando disse que confiava nela, mas
não podia deixar de pensar que seria muito mais fácil para todo mundo se ele
parasse de dar em cima dela. Isso exigiria “a conversa”.
Nada feliz com o
que eu tinha que fazer, alcancei Micah na frente dos vestiários. Nós dois
estávamos esperando Jill terminar, e eu aproveitei o tempo que tinha sozinha
com ele.
— Oi, Micah — eu
disse. — Preciso falar com você...
— Oi — ele
respondeu todo alegre. Seus olhos azuis estavam arregalados e animados. — Eu
tive uma ideia e queria falar com você. Se vocês não conseguirem uma dispensa
para ela, quem sabe conseguem mudar o horário das aulas dela? Se ela fizesse educação
física no primeiro horário do dia, não seria assim tão quente. Talvez não seja tão
difícil para ela. Quer dizer, acho que ela gostaria de participar de algumas
dessas atividades.
— Ela iria
gostar, sim — eu disse devagar. — E essa é uma ótima ideia.
— Eu conheço
algumas pessoas que trabalham na secretaria e vou pedir a elas que encontrem
algumas opções para ver se é possível reencaixar as outras aulas dela. — Ele fez
um bico fingido. — Vou ficar triste por não estar na mesma aula que ela, mas
vai valer a pena por saber que ela não está sofrendo tanto.
— É — concordei
sem muito entusiasmo, de repente me sentindo perdida. Ele realmente tinha dado
uma boa ideia. Ele era até altruísta o suficiente para abrir mão da oportunidade
de ficar perto dela em nome de um bem maior. Como é que podia ter “a conversa”
com ele agora? Como é que eu de repente ia dizer: “Deixe a minha irmã em paz”,
se ele estava tendo tanto trabalho para ser legal? Eu era tão ruim quanto
Eddie, ao evitar o confronto com Micah. Aquele sujeito era adorável demais para
seu próprio bem.
Antes que
conseguisse dar uma resposta, Micah tomou uma direção inesperada.
— Mas você
realmente devia levá-la ao médico. Não acho que ela tenha alergia ao sol.
— Ah, é? — perguntei,
surpresa. — Mas você não viu como ela sofre durante a aula todos os dias?
— Não, não, pode
acreditar, ela com toda a certeza tem um problema com o sol — ele se apressou
em me garantir. — Mas pode ser que o diagnóstico esteja errado. Eu fiz uma pesquisa
sobre alergia ao sol, e as pessoas costumam ter urticária junto. Essa fraqueza
generalizada que ela tem... não sei. Acho que pode ser outra coisa.
Ai não.
— Tipo o quê?
— Não sei — ele
refletiu. — Mas vou continuar pesquisando teorias e depois te digo o que
descobri.
Que maravilha.
A educação física
também me deixou ver pela primeira vez uma das tatuagens metálicas de Amberwood
em ação. Era impossível não observar Greg Slade durante a aula, e eu não fui a
única que me distraí com ele. Assim como Kristin e Julia tinham dito, ele
realmente estava mais rápido e mais forte. Ele deu mergulhos que ninguém mais
tinha reflexos rápidos o suficiente para dar. Quando ele acertava a bola, era
uma surpresa não escutarmos um estrondo sônico logo depois. Isso lhe valeu
elogios no começo, mas logo reparei uma coisa. Havia algo de descontrolado no
jogo dele. Ele estava cheio de habilidade, sim, mas às vezes não se
concentrava. Os golpes poderosos nem sempre ajudavam porque ele mandava a bola
para fora. E quando corria para fazer uma jogada, era raro levar em conta quem
estava ao seu redor. Quando um garoto da minha sala de inglês foi derrubado e
caiu de costas no chão, simplesmente por estar no caminho entre Slade e a bola,
a srta. Carson parou o jogo e vociferou sua insatisfação com a agressão de
Slade. Ele engoliu tudo com um sorriso sacana meio desanimado.
— Pena que Eddie
não está nessa aula — Jill disse depois. — Ele iria fazer frente ao Slade.
— Talvez seja
melhor se ninguém reparar — observei. Eddie, pelo que eu tinha ouvido dizer, já
era o astro de sua aula de educação física. Isso fazia parte do tipo físico naturalmente
atlético dos dampiros, e eu sabia que na verdade ele estava se esforçando para
não ser bom demais em tudo.
Fui falar com a
sra. Terwilliger depois da educação física, feliz por ver que ela já estava bem
provida com seu próprio café. Passei a maior parte do período lendo o livro e
fazendo anotações no meu laptop. Depois que tinha feito uma parte, ela veio
conferir o meu trabalho.
— Você é muito organizada
— ela disse, olhando por cima do meu ombro. — Títulos e intertítulos e mais
intertítulos.
— Obrigada — eu
disse. Jared Sage tinha sido muito específico ao ensinar habilidades de
pesquisa a suas filhas.
A sra.
Terwilliger deu um gole no café e continuou a ler a tela.
— Você não listou
os passos dos rituais e dos encantos — ela observou alguns momentos depois. —
Só fez um resumo em poucas linhas.
Bom, era verdade,
aquele era o objetivo de fazer anotações.
— Eu citei todos
os números das páginas — eu disse. — Se precisar checar os componentes
específicos, tem uma referência fácil.
— Não... retorne
e coloque todos os passos e os ingredientes nas anotações. Quero ter tudo no
mesmo lugar.
A minha vontade
era dizer: está tudo no mesmo lugar. No
livro. As anotações eram uma condensação
do material, não a repetição do texto original, palavra por palavra.
Mas a sra.
Terwilliger já tinha se afastado e olhava para o seu arquivo sem prestar muita atenção
enquanto balbuciava a si mesma que uma pasta estava no lugar errado. Com um suspiro,
voltei para o começo do livro, tentando não pensar em como aquilo iria me atrasar.
Pelo menos eu só estava fazendo aquilo para ganhar crédito, não nota.
Fiquei lá até
depois do toque do último sinal, tentando recuperar um pouco do tempo perdido.
Quando voltei ao quarto, precisei acordar Jill, que dormia pesado depois de um dia
exaustivo.
— Boa notícia —
disse a ela quando piscou para mim com olhos sonolentos. — Hoje é dia de
fornecimento.
Definitivamente,
aquelas eram palavras que eu nunca achei que fosse dizer. Também não achei que
ficaria animada com aquilo. E, com certeza, não estava nada animada com a ideia
de Jill morder o pescoço de Dorothy. Mas eu estava me sentindo mal por Jill, e
então ficava contente em saber que ela iria se alimentar. Estar sujeita a um
fornecimento de sangue tão limitado devia tornar as coisas duplamente difíceis
para ela.
Nós nos
encontramos com Eddie no andar de baixo quando chegou a hora de partir. Ele
olhou para Jill com preocupação.
— Está tudo bem
com você?
— Estou bem — ela
disse com um sorriso. Ela não parecia nem de longe tão mal quanto antes.
Estremeci de pensar o que Eddie teria feito se estivesse mesmo na nossa aula e
a tivesse visto em sua pior forma.
— Por que isso
ainda está acontecendo? — ele me perguntou. —Você não ia falar com Keith?
— Vai demorar um
pouco — eu disse, sem dar maiores detalhes, e os levei até onde o Pingado
estava no estacionamento dos alunos. — Vamos providenciar.
Se os alquimistas
não mandassem o bilhete, eu iria tentar a sugestão de Micah e transferi-la para
a aula de educação física mais cedo pela manhã.
— Sabemos que sim
— Jill disse. Eu só senti a simpatia na voz dela de leve, lembrando a mim mesma
que ela sabia sobre a minha briga de ontem com Keith. Eu torcia para que ela
não a mencionasse na frente de Eddie e fui salva quando ela passou para um tema
mais aleatório, até surpreendente. — Acha que podemos pegar uma pizza no
caminho? Adrian não quer mais comer a comida de Dorothy.
— Que péssimo
para ele — Eddie observou ao entrar no banco de trás, deixando o assento da
frente para Jill. — Ter uma chef particular à mão para preparar qualquer coisa
que ele precisar. Não sei como ele sobrevive.
Eu dei risada,
mas Jill pareceu ultrajada em nome de Adrian.
— Não é a mesma
coisa! Ela só prepara coisas super-refinadas.
— Ainda estou
esperando para saber qual é o problema — Eddie disse.
— Ela também
tenta fazer tudo bem saudável. Diz que é melhor para Clarence. Então, nunca tem
sal nem pimenta nem manteiga. — Caramba, com que frequência Jill e Adrian se
falam? — Não tem nenhum sabor nem nada. Ele está ficando louco.
— Tudo parece
estar deixando ele louco — observei, me lembrando de sua súplica por novas
acomodações. — E não pode estar tão ruim assim. Por acaso ele não foi para Los
Angeles ontem à noite?
A única resposta
de Jill foi franzir a testa.
Ainda assim, eu
tinha a sensação de que iríamos passar um bom tempo na casa de Clarence, e eu
particularmente não queria comer nada preparado ali. Então, foi mais por
motivos egoístas que eu concordei em passar em um lugar que tinha comida para viagem
e comprar algumas pizzas. O rosto de Adrian ficou radiante quando entramos na sala
de estar, onde — tirando as partidas de sinuca — parecia ser o lugar em que ele
mais passava tempo na casa de Clarence.
— Belezinha — ele
declarou e se levantou em um salto. — Você é uma santa. Talvez até uma deusa.
— Opa — eu disse.
— Quem pagou fui eu.
Adrian levou uma
das caixas até o sofá, para tristeza de Dorothy. Ela saiu apressada, falando
alguma coisa sobre pratos e guardanapos. Adrian me lançou um aceno de cabeça conciliador.
— Você também não
é nada mau, Sage — ele disse.
— Ora, ora, o que
temos aqui? — Clarence entrou cambaleante na sala. Eu não tinha reparado, mas
ele usava bengala para se locomover. Tinha uma cobra de cristal no alto, que
era ao mesmo tempo impressionante e assustadora. Era bem o tipo de coisa que
seria de se esperar de um vampiro idoso. — Parece que temos uma festa.
Lee estava com
ele e nos cumprimentou com sorrisos e acenos de cabeça. Os olhos dele se
demoraram brevemente em Jill e ele fez questão de se sentar perto dela — mas não
perto demais. Jill se animou como não se animava havia dias. Todo mundo estava começando
a atacar as pizzas quando Dorothy apareceu à porta com um novo visitante.
Senti meus olhos
se arregalarem. Era Keith.
— O que você está
fazendo aqui? — perguntei, mantendo um tom de voz neutro.
Ele deu uma
piscadela.
— Vim conferir se
todo mundo estava bem. Essa é a minha função... tomar conta de todo mundo.
Keith estava mais
animado e mais simpático quando se serviu de pizza, sem indicações da briga que
havia ocorrido da última vez. Ele sorriu e conversou com todos como se fossem
seus melhores amigos, coisa que me deixou totalmente chocada. Ninguém mais
parecia achar que havia algo de estranho no comportamento dele — mas, bom, por
que achariam? Nenhum deles tinha o mesmo histórico que eu tinha com Keith.
Não — isso não
era bem verdade. Apesar de estar envolvido em uma conversa profunda com Eddie,
Adrian fez uma pausa para me lançar um olhar curioso, perguntando em silêncio
sobre a briga do dia anterior. Ele deu uma olhada em Keith e depois voltou a
olhar para mim. Dei de ombros, mostrando a ele que também estava confusa em
relação à mudança de humor. Talvez Keith estivesse arrependido da explosão do
dia anterior. Claro que seria bem mais fácil de aceitar se tivesse vindo
acompanhado de uma desculpa.
Mordisquei um
pedaço de pizza de queijo, mas a maior parte do tempo fiquei observando os
outros. Jill contava para Adrian, toda animada, como tinham sido seus primeiro
dias, e reparei que ela tinha deixado de fora todas as partes negativas. Ele a escutou
com indulgência, assentindo e fazendo interjeições com comentários espirituosos
ocasionalmente. Algumas das coisas que ela disse a ele eram bem básicas, e
fiquei impressionada por não terem sido mencionadas em suas conversas
telefônicas. Talvez ele simplesmente tivesse tanta coisa a dizer nessas
ocasiões que não sobrava oportunidade para ela. Assim, ele não mencionou seu tédio
nem suas outras reclamações.
Clarence
conversava de vez em quando com Eddie e Lee, mas seus olhos sempre se desviavam
para Jill. Havia uma expressão de melancolia em seu olhar, e eu me lembrei de
que a sobrinha dele só era um pouco mais velha do que Jill. Fiquei imaginando
se talvez parte da razão pela qual ele se mostrou tão disposto a nos acolher
foi alguma espécie de tentativa de recuperar uma parte da vida em família que
tinha se perdido.
Keith tinha se
sentado perto de mim, coisa que no começo me deixou pouco à vontade, mas que
depois me deu oportunidade de entender o pensamento dele. Ao ver que os outros
estavam envolvidos em conversas, perguntei, baixinho:
— Você já ouviu
falar em imitações de tatuagens dos alquimistas que chegaram à população em
geral?
Ele me olhou
assustado em resposta.
— Nem sei o que
isso significa.
— Em Amberwood
está na moda. Parece que existe um lugar na cidade que faz tatuagens metálicas,
e elas têm propriedades especiais... mais ou menos como as nossas. Algumas só
deixam a pessoa alegre. Outras meio que têm efeito de esteroide.
Ele franziu a
testa.
— Elas não são
feitas com ouro, são?
— Não. Prata e
cobre. Por isso não duram. Provavelmente para que os tatuadores possam ganhar
mais dinheiro.
— Mas então não
podem ser nossas — ele argumentou. — Há séculos não usamos esses metais em
tatuagens.
— É, mas alguém
pode estar usando a tecnologia dos alquimistas para criar essas tatuagens.
— Só para deixar
as pessoas chapadas? — ele perguntou. — Eu nem saberia como chegar a isso com
agentes metálicos.
— Eu tenho
algumas ideias — respondi.
— Deixe-me
adivinhar. Elas incluem misturas com narcóticos. — Quando eu assenti, ele
suspirou e me olhou como se eu tivesse dez anos de idade. — Sydney, o mais provável
é que alguém tenha descoberto algum método grosseiro de tatuar que é parecido
com o nosso, mas que não tem nenhuma relação com a gente. Se for isso, não podemos
fazer nada a respeito. Drogas existem. Coisas ruins acontecem. Se não tiver relação
com os assuntos dos alquimistas, não é da nossa conta.
— Mas e se tiver
conexão com os assuntos dos alquimistas? — perguntei.
Ele resmungou.
— Está vendo? É
por isso que eu estava preocupado com a sua vinda para cá, com essa sua
tendência de aparecer com teorias paralelas malucas.
— Eu não...
— Por favor, não
me envergonhe — ele sibilou e lançou um olhar para os outros. — Nem com eles,
nem com nossos superiores.
A bronca dele me
silenciou, principalmente pela surpresa. O que ele quis dizer com essa minha
“tendência”? Será que ele realmente estava sugerindo que tinha feito algum tipo
de análise psicológica profunda de mim anos antes? A ideia de que eu iria envergonhá-lo
era ridícula... e, no entanto, suas palavras plantaram uma dúvida na minha
cabeça. Talvez as tatuagens em Amberwood fossem apenas uma modinha sem relação
com nada.
— Como está a
educação física? — As palavras de Adrian me arrastaram para longe dos meus
próprios pensamentos. Ele ainda estava ouvindo o resumo da escola de Jill. Ela fez
uma careta frente à pergunta.
— Não muito bem —
ela reconheceu e fez uma retrospectiva de alguns dos piores momentos.
Eddie me lançou
um olhar significativo, parecido com o de antes.
— Você não pode
continuar desse jeito — Lee exclamou. — O sol aqui é brutal.
— Concordo —
disse Keith, ninguém menos. — Sydney, por que você não me disse como estava
difícil?
Acho que o meu
queixo bateu no chão.
— Eu disse! Foi
por isso que tentei fazer você entrar em contato com a escola.
— Na verdade,
você não me contou a história toda. — Ele lançou um de seus sorrisos melosos
para Jill. — Não se preocupe, vou resolver isso para você. Vou entrar em
contato com os responsáveis da escola... e com os alquimistas.
— Eu já falei com
eles — argumentei.
Mas eu não
precisava ter dito nada. Keith já tinha mudado de assunto e conversava com
Clarence a respeito de algo irrelevante. De onde tinha vindo essa mudança
radical de atitude? Ontem, o desconforto de Jill tinha sido de baixa
prioridade. Hoje, Keith era o cavaleiro de armadura brilhante que saía em sua
defesa. E, com isso, ele sugeria que quem estava pisando na bola era eu. Esse é o plano dele, percebi. Ele não me quer aqui.
Nunca quis. E
então, uma coisa ainda pior me ocorreu.
Ele vai usar isso para começar a montar um caso
contra mim.
Do outro lado da
sala, Adrian chamou a minha atenção. Ele sabia. Ele tinha escutado quando eu
discuti com Keith na entrada da casa. Adrian começou a falar, e eu sabia que ele
ia pegar Keith em sua mentira. Foi um gesto galante, mas não era o que eu
queria.
Eu daria conta de
Keith sozinha.
— Como estava Los
Angeles? — perguntei logo, antes que Adrian tivesse a oportunidade de dizer
alguma coisa. Ele olhou para mim com um ar curioso, sem dúvida imaginando por
que eu não queria permitir que ele testemunhasse a meu favor. — Você foi para
lá ontem à noite com Lee, não foi?
Adrian parecia
confuso, mas um sorriso se abriu em seu rosto.
— Fui — ele
finalmente disse. — Foi ótimo. Lee me mostrou como é a vida na faculdade.
Lee deu risada.
— Eu não iria
assim tão longe. Não sei onde você se meteu metade da noite.
Adrian ficou com
uma expressão no rosto que de algum modo era encantadora, mas que me deu
vontade de dar um tapa nele ao mesmo tempo.
— Nós nos
separamos. Eu quis conhecer alguns dos outros Moroi da área.
Nem Eddie
conseguiu ficar em silêncio com isso.
— Ah, é assim que
você descreve?
Jill se levantou
de maneira abrupta.
— Vou tomar o meu
sangue agora. Tudo bem?
Houve um momento
de silêncio constrangedor, principalmente porque acho que ninguém realmente
sabia a quem ela estava pedindo licença.
— Claro que sim,
querida — Clarence disse e assumiu seu papel de anfitrião. — Acredito que
Dorothy esteja na cozinha.
Jill assentiu de
leve e saiu apressada da sala. Nós, que sobramos, trocamos olhares confusos.
— Há algum
problema? — Lee perguntou, parecendo preocupado. — Será que eu... será que devo
ir falar com ela?
— Ela só está
estressada — eu disse, sem coragem de mencionar os episódios de grito e de
choro.
— Pensei em uma
coisa que pode ser divertida para ela... para todos nós fazermos — ele disse, e
ficou esperando pelas reações. Ele olhou ao redor e então voltou os olhos para
mim. Acho que eu tinha sido escolhida para fazer o papel de mãe. — Se você
achar que tudo bem. Quer dizer... é meio bobo, mas achei que podíamos ir jogar
minigolfe qualquer noite dessas. Tem um monte de fontes e laguinhos no campo.
Ela tem domínio sobre a água, certo? Deve estar sentindo falta disso aqui.
— Está mesmo —
Eddie respondeu com a testa franzida. — Ela mencionou isso ontem.
Eu estremeci.
Keith estava mandando uma mensagem de texto pelo telefone e ficou paralisado.
Por mais que
tivéssemos nossas diferenças, continuávamos compartilhando o grosso do
treinamento que tínhamos recebido, e nós dois ficamos pouco à vontade de pensar
na magia dos Moroi.
— Acho que ela
vai gostar muito — Adrian falou. Ele parecia relutante em admitir. Acho que
ainda estava pouco à vontade com a ideia de Lee estar interessado por Jill, por
mais que os dois se dessem bem. A sugestão de Lee era ao mesmo tempo inocente e
demonstrava preocupação. Era difícil encontrar algum problema nela.
Lee deixou a
cabeça pender para o lado, pensativo.
— O toque de
recolher é mais tarde nos fins de semana, não é? Querem ir hoje à noite?
Era sexta-feira,
e isso nos garantia uma hora extra no toque de recolher do alojamento.
— Eu estou dentro
— Adrian disse. — Literal e figurativamente.
— Se Jill for, eu
vou — Eddie falou.
Eles olharam para
mim. Eu estava encurralada. Queria voltar e tirar o atraso da lição de casa.
Mas se eu dissesse isso ia parecer ridículo, e achava que tinha de estar presente
como a única acompanhante mulher de Jill. Além do mais, lembrei a mim mesma,
aquela missão não era a respeito de mim e da minha vida acadêmica, por mais que
eu fingisse que fosse. O mais importante era Jill.
— Eu posso ir —
disse devagar. Pensei que isso talvez se parecesse demais com confraternização
com vampiros, por isso eu olhei sem jeito para Keith. Ele tinha voltado a
mandar a mensagem de texto, agora que a magia não estava mais em discussão. — Keith?
— perguntei, como se estivesse pedindo permissão.
Ele ergueu os
olhos.
— Hã? Ah, eu não
posso ir. Tenho um compromisso.